Ilhas de Histórias
Marshall Sahli
1ª Ed. no Brasil: 1990
Tradução: Barbara Sette
Ediora: Jorge Zahar
217 pág.
A Prática do Mito
Por: Ricardo Pontes Nunes
Existe um princípio heurístico segundo o qual todo argumento contrapõe-se a algo previamente estabelecido, e que, logo, identificar contra quem ou a quê determinado argumento se refere, é a melhor estratégia para compreendê-lo. Vale dizer: antes de mais nada, é necessário situar as coisas. Levando isso em conta, Ilhas de História, de Marshall Sahlins, talvez não tenha outro adversário que a rigidez sincrônica, as amarras autorreferenciadas do estruturalismo, desde suas origens teóricas em Durkheim, Mauss e Saussure a grandes expoentes etnográficos dessa doutrina, como Radcliff-Brown e Lévi-Strauss.
Cerca de três décadas antes, ainda que de maneira mais tímida, semelhante concepção já havia tocado Leach em sua famosa dialética gunsa-gunlao, e o próprio Sahlins reconhece protótipos de sua teoria em Fernand Braudel e Raymond Firth. O que, porém, faz de Ilhas de História um marco para a epistemologia antropológica é seu passo adiante ─ e largo, diga-se de passagem. Ousado, Sahlins não poderia deixar de ser convicto e direto, mas também lúcido e bem humorado.
Em alguma medida pode-se concluir que a dinâmica que Sahlins atribui às ações dos sujeitos, embora criptografadas pela cultura, atestam que sim, que podemos manejar certo grau de liberdade (óbvio que essa não era nem de longe a preocupação do autor, mas não deixa de nos remeter à libertação da interpretação etnográfica), que ainda que inconsciente desde uma estrutura social enquanto algo vivenciado e como que passível de interação pelas pessoas em suas particularidades. Ou seja, a cultura, esse elástico enigma ─ essa origem e flagelo da nossa disciplina ─, mora num devir da história dos próprios fatos, das relações do indivíduo dentro deles, nas filigranas dos seus desvãos ontogenéticos.
Conceitos como o de mudança sistêmica, o qual opõe a estrutura ao evento; o de risco simbólico ou empírico (a ameaça a que símbolos e significados estão sujeitos durante o processo dos acontecimentos); sua noção de fenômeno; sua distinção entre atos performativos e prescritivos; enfim, tudo converge para tentar evidenciar aquilo que ele chamou de “estrutura da conjuntura”.