top of page

Vestígios do Dia

images.jpg

EUA - Reino Unido, 1993

Título original: Remais of the Day

Direção: James Ivory

Roteiro adaptado: Ruth Prawer Jhabvala

Elenco:

Anthony Hopkins, Emma Thompson, James Fox, Christopher Reeve, Hugh Grant

Duração: 134 min

A Servidão da Ética

By Ricardo P Nunes

    Mais dia, menos dia, todos acabamos parando para avaliar as escolhas que fizemos no curso da vida. Embora não se possa voltar atrás, essa prestação de contas talvez sirva para aferirmos os passos dali em diante. Em Vestígios do Dia, James Stevens (Anthony Hopkins) representa uma eminente exceção. Talvez porque sente que as contas não fecharão ou porque não crê que o arrependimento pela omissão seja mais doloroso que o de ter agido. Uma precoce e árdua experiência da realidade obrigara-o a eleger suas prioridades no mundo, e entre elas não constam nem as inclinações políticas nem a sentimentalidade.

   Nos estertores da meia idade de uma vida inteira como mordomo-chefe da nobre mansão campestre de um tal Lord Darlington, não há lugar para que os quebrantos do coração ou os achaques de consciência o distraiam da abnegada dedicação a seus afazeres. Acontece que estamos na Inglaterra das vésperas da II Guerra Mundial, e apesar do mal cheiro no ar, ninguém imagina ainda as proporções da catástrofe para a qual as coisas estão se encaminhando. Muito menos Stevens, imune em sua lide doméstica a qualquer odor que venha de fora imiscuir-se pelas frestas do aristocrático reduto onde seu desencanto encontrara proteção. As paredes da mansão delimitam um mundo particular, onde o austero silêncio de Stevens parece estrangular sua agonia em permanecer indiferente aos chamados que em alguma medida ainda possam encontrar eco em seu interior.

Novos-Clássicos-Crítica-Vestígios-do-Dia-1.jpg

Hopkins e Thompson: duelo de titãs

    Mas acontece também de, no auge desse seu atarefado retiro, três distintos clamores virem sacudir os alicerces de sua invencível falta de empatia: seu bom patrão, o tal Lord Darlington, revela-se um influente simpatizante nazista da Inglaterra pré-Churchill; as condições de trabalho e a saúde do pai senil reclamam atenção filial; e, o mais surpreendente, a não menos compenetrada governanta da mansão, Sally Kenton (Emma Thompson, com quem Hopkins travará um duelo de titãs na atuação) vai aos poucos tentar encontrar brechas em meio às formalidades da ética profissional para lhe sugerir um sentimento mais íntimo e profundo que o respeito até não poder mais reprimir o seu desespero. Em sua epicúrea resignação contra as paixões, Stevens sente que a inabalável integridade do seu caráter foi tudo o que conquistou na vida com o seu sacrifício, e que foi justamente esse atributo o que revolveu os sentimentos de Sally Kenton.  

    Fotografia, música, roteiro e a direção magistral de James Ivory enlaçam-se para que o seu formidável elenco saiba dizer muita coisa nas entrelinhas. Daí que poucos filmes com tantas leituras possíveis. Apenas uma intransigente observação me resta, mas que obviamente não desabona em nada o filme. Baseado no romance de Kazuo Ishiguro, Nobel de literatura de 2017, a narrativa se inicia em 1954, quase duas décadas após os acontecimentos centrais da trama, quando Stevens viaja para reencontrar Sally Kenton e reviver alguns episódios durante o percurso. Enfim, quem narra em primeira pessoa a história é o próprio Sr. Stevens, a partir de um diário seu. O que sucede no reencontro, porém, é só a insistente reiteração de sua velha e incorruptível têmpera, ou seja, a mesma que o torna incapaz de se abrir conosco daquela maneira, não só pelo caráter circunspecto, mas pelo simples fato de ele jamais ter enxergado os eventos tal como nos conta. Que tenha encontrado um confessor em um diário, talvez tenha sido a única concessão de que era capaz.

  • LinkedIn
  • Instagram ícone social
  • Facebook
20211126_190604.png
bottom of page