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A HORA DO LOBO

Suécia, 1968

Ficha Técnica

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Direção: Ingmar Bergman

Roteiro: Ingmar Bergman

Elenco: Max von Sydow e Liv Ullmann

Fotografia: Sven Nykvist

Trilha Sonora: Lars Johan Werle

Montagem: Ulla Ryghe

Design de Produção: Marik Vos-Lundh

​Título original: Vargtimmen

Duração: 90 min

O cinema como signo da alma humana

Por Flávio Roberto Nunes

 “Perdão, me chamo de artista na falta de uma expressão melhor. No meu processo criativo, nada é evidente. É, de certa forma, uma compulsão. Sem que eu esperasse, fui classificado como algo excepcional, um bezerro de cinco patas, um monstro. Eu nunca lutei por essa posição, nem estou lutando para mantê-la. Sem dúvidas, senti uma megalomania subir à minha cabeça, mas acredito que eu seja imune. É pertinente pensar na exígua importância da arte no mundo de hoje. Acalmar-se, ainda que a compulsão permaneça”.

Johan Borg

  Ainda que, com o lançamento de Persona, em 1966, Bergman já assinalasse a prospecção numa revolucionária forma de fazer filmes, foi com  A Hora do Lobo (Vargtimmen), lançado dois anos depois, que o sueco deixou mais claro e evidente seu propósito. Depois de haver produzido quase trinta filmes, todos mais ou menos vazados em moldes tradicionais e amiúde explorando temas como a liberdade ou a escravidão do ser humano em face aos motivos que se lhe apresentam, é com esta obra de arte que ele renova e aprofunda, tanto na estrutura como nos temas, um certo procedimento de sondagem nos abismos da alma humana.  

   Sim, o longa tem todos os elementos do gótico (mistério, loucura, luxúria, morte, degradação, etc.), mas o certo é que não se trata de um filme de terror, como alguns críticos  têm ressaltado. Surrealista seria menos temerário dizer, se levarmos em conta o papel do inconsciente e várias cenas dignas de um Buñuel, como a da velha senhora desmontando o próprio rosto e pondo o olho dentro de um copo com água. Mesmo assim, há outras implicações, como a pesada carga de símbolos, para ficar só nesta, que não o enquadram nos limites dessa estética. Não são reais os demônios que atormentam os personagens, no sentido de que não se tratam de entidades em si, independentes daquelas subjetividades. As visões do pintor estão muito mais para projeções de sua própria psique, personificações de seus próprios sentimentos, do que entes que lhe chegam de fora. 

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Bergman, os dramas como conteúdo de uma arte mui séria 

    O título do filme remete aos momentos entre a meia-noite e o amanhecer. As horas se arrastam no silêncio, traumas e medos adormecidos despertam, mais ainda para quem sofre de insônia. Um minuto psicológico parece uma eternidade, o sono não vem, no máximo aqui e ali uma piscadela de olhos ardidos acompanhada da prefiguração dos mais horríveis pesadelos. Esse momento em que a maioria das pessoas deixam o mundo, pela morte, ou nele chegam sem saber de onde vêm ou para onde vão, esse momento em que a loucura bate às portas de um mortal propício a acolhê-la, esse momento é que os antigos chamavam de a hora do lobo. 

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Sydow, intérprete do terror existencial

   O drama é vivido por Johan Borg (Max von Sydow), um pintor, e Alma (Liv Ullmann), sua esposa, em refúgio voluntário numa ilha sombria. A simbólica imagem da chegada no barco, aliás, não deixa de nos remeter ao próprio Caronte aportando, com as almas dos danados, à outra margem de um dos rios do inferno. Destaque, diga-se de passagem, para a fotografia de Sven Nykvist, eterno parceiro de Bergman, opondo clarões a densas sombras na proximidade das imagens com a câmera e nas distâncias do aparelho com os sítios mais afastados. Tudo se passa a partir do ponto de vista de Alma. Tirando uma breve introdução do Diretor, é Alma quem narra, com o marido já tendo desaparecido. Mesmo quando este estava sozinho, os fatos que com ele se deram os vemos seja a partir do que ele a ela contou ou conta, seja a partir da leitura que ela faz do diário por ele deixado. Há bruscas mudanças de humor de Johan, com evidente bloqueio criativo, voltando de mais uma frustrada tentativa de pintar ao ar livre; há Alma vendo os mesmos demônios que atormentam o marido, porque, segundo ela desconfia, o fato de uma mulher muito amar a um homem, depois de um certo tempo juntos, essa mulher começa a parecer com esse homem, começa a sentir, pensar, sofrer, e, não raro, até enlouquecer com ele; há um castelo habitado por sádicos, luxuriosos, ciumentos; há a aparição de um garoto na ilha, enquanto Johan pescava, e as cenas que se seguem são das mais perturbadoras desde os primórdios da sétima arte. Se vale a pena assistir? Com certeza. E, de preferência, na hora do lobo.

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