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Dança com Lobos

Sutileza e Magnificência

By Ricardo P Nunes

      Figura não incomum na história a do guerreiro desiludido com a realidade da guerra, esse universal contrassenso pode ter sido ainda menos raro no fratricídio descomunal das últimas batalhas da Guerra Civil Americana (1861-1865). Em Dança com Lobos (EUA, 1990), com um membro arruinado em combate o tenente John Dunbar (Kevin Costner) sente esse golpe como um castigo particular. Resolvido então a fazer da morte o derradeiro recurso contra a angústia do fracasso pessoal e da invalidez, arroja-se a galope contra o fogo inimigo entregue a um suicídio “sem culpa”. 
      Ignorando os reais motivos do surto de coragem de Dunbar, a tropa esmorecida vê naquele gesto um estímulo para reunir suas últimas forças num contra-ataque fulminante, e a imprevisível ofensiva acaba lhes rendendo uma vitória decisiva. Digno das condecorações, da exclusividade médica que lhe cura a perna e de que lhe seja atendido o pedido de onde pretende seguir a nova fase na carreira militar, John Dunbar dá uma prova a mais de sua indiferença para com a vida que até então levava: prefere um desguarnecido forte na inóspita fronteira oeste, onde o acaso e o abandono lhe depararão a reviravolta que fará com que sua vida, e sua alma, jamais sejam a mesmas.

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Costner, durante as gravações: um ambicioso e afortunado projeto pessoal

      Segundo se conta, Kevin Costner, além de estrelar, dirigir e produzir o longa, foi quem incentivou Michael Blake a desenvolver o romance homônimo do qual em seguida encomendou o roteiro ao próprio Blake. O livro não alcançara grande sucesso, mas Costner enxergou ali as possibilidades grandiosas de sua dimensão cinematográfica, bem como o ensejo de uma estreia como diretor na qual também se serviria do inspirado vigor de sua própria atuação no papel principal, como nas expressões de melancolia que empresta a Dunbar — que se veria depois, ao longo de sua filmografia, ser uma traço da personalidade de Costner — ou na fragorosa cena da caça ao bisão em que, sem dublê, ele executa disparos de rifle sobre sua cavalgadura em uma das sequências mais magníficas da história do cinema.
      O tema não era novo, mas ao abordá-lo com uma dinâmica aventuresca adornada por imagens grandiloquentes e cenas cruas sobre um fundo histórico, Costner foi muito além das abstrações reflexivas sobre os “equívocos” do progresso civilizatório. Outra vantagem foi descortinar um heroísmo muito mais legítimo que o representado pela enxurrada de marombeiros armados de metralhas que então dominava os filmes de ação nos anos de 1980. Contra essa arenga, nada mais elementar que o velho e eficaz antídoto do anti-herói de Dança com Lobos, o que lhe rendeu não apenas reinaugurar as possibilidades dos chamados westerns, como também desvinculá-lo dos estereótipos do gênero.

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Cultura e Personalidade x Sociedade e Indivíduo

       Havia muito que os revisionismos vinham se infiltrando na arte. Na literatura, A Cabana do Pai Tomás e Enterrem meu Coração na Curva do Rio já eram clássicas celebridades filmografadas. Mas no cinema, apesar da nova fonte de repaginação que ofereciam, ainda era difícil conjugar esse relativismo moderno com a demanda por grandes produções que contornassem o desafio de manterem um fio narrativo coeso e genuíno que falasse por si mesmo, que não apenas a armação de um cenário espetaculoso para disruptivas e artificiosas intromissões, como sucedera nos embora bem-sucedidos Ben-Hur e Apocalypse Now, por exemplo.
       John Dunbar é um sujeito simples, até desajeitado às vezes quando não precisa incorporar a valentia que lhe exige o sacrifício da missão de que está incumbido. Algumas cenas pontuam com maestria memorável sua trajetória de homem comum, como quando fica desacordado ao se chocar contra o batente de uma porta no susto de um alarme falso; a bandeira que se lhe enrosca no rosto no momento em que parecia mais garboso dentro do seu lustroso uniforme militar em sua primeira e solitária embaixada até uma aldeia indígena; e o fascínio que aos poucos o vai permeando até à dança da chuva que ele ensaia cantando em idioma nativo ao redor do fogo.

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A aposta na sutileza da narrativa sob a grandiosidade imagética

     Entre o suspense e a empolgação de vitórias, esperanças e derrotas, Dança com Lobos nos inspira ainda outras sutis percepções, como a de que dentro do curso inelutável da história existe espaço para o céu ou o inferno de nossas consciências. Que mesmo dentro de uma só etnia a personalidade de cada indivíduo pode ser vária. O que se aplica ao próprio filme, já que no universo do cinema ele se distingue pela dádiva de honestidade e encantamento com que nos presenteia.

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